
Trata-se de uma nova roupagem das Crônicas Londrinenses, com relatos vividos entre os anos de 1955 e 1965, adentrando até o início da década de 70.
Mantém conteúdo baseado em fatos, acrescido do bom humor, fantasia e ironia característicos dos meus escritos.
Eventualmente, poderá contar com a colaboração de autores convidados.
CONTEÚDO
O "Pau de Bosta"
Quando se é do interior, a imaginação e criatividade são muito mais férteis no assunto folguedos de infância e adolescência.
Se existe uma brincadeira mais emocionante e fétida, esta é o “Pau de Bosta”. Pelo título, já se pode ter ideia do poder hilário e impactante do jogo.
Eu já me encontrava em plena adolescência quando aprendi a executar com destreza a brincadeira. Algumas condições são importantes para a finalização a contento. É preciso ter um grupo de, no mínimo, três pessoas para encenarem os brigões. Um quarto personagem obrigatório é o indivíduo-alvo. A brincadeira deve ser executada à noite, na rua e, de preferência, no espaço entre um poste de iluminação e o próximo, onde a penumbra é importante como cenário. Deve haver também um terreno baldio, um lote de terreno desprovido de construção e, se possível, uma moita. Se não houver o terreno vago, existe alternativa mais urbana, que o leitor pode arquitetar de acordo com sua imaginação. Estas são as condições para a brincadeira.
O primeiro passo, é um componente do grupo ir cagar no moita. Quanto maior o troço, mais eficaz será a “matéria prima”. Em seguida, é arrumar um pedaço qualquer de galho de árvore, bambu, ripa de madeira ou algo parecido, para servir como o pau-de-bosta e instrumento de briga. Ato contínuo, embostear o pau-de-bosta, deixando livre apenas uma ponta, a qual será segurada e manejada pelo primeiro brigão.
Durante o planejamento, é estabelecido se o indivíduo-alvo será um amigo ou não e, dependendo da situação, tal planejamento deve ser feito com antecedência, de maneira a saber o dia e horário em que o indivíduo irá transitar pelo local do jogo.

Figura 1: Encenação da briga com o pau-de- bosta.
Confirmada a aproximação do indivíduo-alvo (D), dois brigões (A e B) simulam estarem discutindo e brigando, ficando o terceiro (C) incitando o embate. Um dos brigões (A) já está com o pau-de-bosta na mão e usa-o à guisa de instrumento de briga.
A – Você é um grande medroso!
B – Pois sim, você é que é um covarde!
C – Vai em cima dele!
Nesse momento, o indivíduo-alvo já participa como espectador do embate, estando bem próximo.
B – É… você é mesmo um covarde! Está valente porque está armado com este pau.
C- Já que é assim, entregue o pau pra ele (D) segurar.
Assim que a vítima, sem perceber o conteúdo devido à penumbra, segura a vara embosteada, pra deixar a coisa mais emocionante, o brigão (A) puxa a vara para si, deixando todo o volume de bosta na mão do coitado da vítima.
Geralmente, era uma brincadeira que acabava em briga verdadeira, seja in loco ou mais tarde.
Sabores, odores e visões inesquecíveis
O ser humano percebe o ambiente por meio dos seus órgãos sensoriais que captam os conhecidos cinco sentidos: visão, audição, olfato, gustação e tato. Um sexto sentido, chamado cinestesia, é o trabalho do cérebro em processar as informações sensoriais em conjunto com experiências passadas. Tal se configura como uma percepção extra-sensorial, às vezes considerada sobrenatural, como são os casos da intuição e da premonição, por exemplo. Quantas vezes já tivemos a sensação de já ter estado em um determinado lugar que nunca fomos antes ou já ter ouvido determinado som inédito ou já ter sentido determinado cheiro jamais sentido antes? Outras vezes, temos a sensação de já conhecer alguém, mesmo sendo um primeiro encontro. Para os que entendem sobre carma e reencarnação ou renascimento, tudo isso pode ser compreendido mais facilmente.
Embora para mim seja a visão o sentido mais importante, o meu cérebro processa a memória olfativa de forma mais evidente. Ou seja, uma vez captado um determinado odor, nas próximas vezes lembrarei perfeitamente o cheiro e as circunstâncias em que isso ocorreu pela primeira vez. É claro que isso vale igualmente para os demais sentidos, talvez num grau menos aguçado que o olfato. Quem sabe isso se deva ao fato de eu ser do signo do cachorro no horóscopo chinês?
Quanto mais forte a nossa memória sensorial, mais longínquas e detalhadas são as recordações de momentos passados.
Lembro-me das sensações experimentadas da primeira manteiga, por exemplo. Acho que só havia uma marca, a Aviação, que existe até os dias de hoje, vendida na mesma embalagem alaranjada, com um avião e logotipo verde escuro. O cheiro e o sabor continuaram inalterados, qualidades raríssimas. Eu ainda prefiro a embalagem em lata redonda, que me leva sempre à lembrança da infância passada na casa com quintal grande onde havia uma árvore de uva japonesa.
Já escrevi sobre os diálogos que tive com a uveira. Aqui descreverei a sensação que tive ao saborear pela primeira vez a fruta da uva japonesa. Sem conhecer, abocanhei um pedaço da fruta junto com a semente dependurada. A sensação não foi das melhores, pois, além do caroço duro da semente, a fruta não estava em sua maturação completa. Foi um gosto misto de algo leitoso e marrento. Todavia, um sabor inédito e inesquecível. Mais tarde, sob a orientação de um amigo que já conhecia a fruta, escolhi uma que havia atingido a sua maturação plena, com aspecto murcho e forte odor ácido e adocicado, quase próximo ao cheiro apodrecido. O sabor, no entanto, em nada lembrava algo podre e sim, um gosto único, bem doce, inesquecível.
Foi nesta época que conheci uma bebida que marcou a minha memória gustativa e olfativa que caracteriza minha predileção pela Coca-Cola. Esta ainda não era tão popular quando tomei pela primeira vez a Crim-Pola. Assim era o nome daquele refrigerante que tinha um gosto inédito e estranho. Mais tarde fui conhecendo outras bebidas como a Grapette, nome dado a um refrigerante a base de suco de uva; a Cerejinha, que vinha numa garrafa baixinha e gordinha. A primeira vez que tomei Chocomilk foi na década de 50 durante a inauguração do Mercado Municipal de Londrina, no bairro Shangri-lá. Eu nunca havia estado num ambiente tão amplo, cheio de lojas e aglomeração de pessoas. O sabor do achocolatado pronto para beber foi uma experiência inesquecível. Em casa, eu só conhecia o leite misturado com um chocolate em pó, cujo nome lembra algo como Xadrez. Toddy era só para os ricos. Na época, a Batavo usava o nome Choba para o achocolatado inédito do mercado brasileiro. A partir de 1962, mudou o nome para o atualmente conhecido Chocomilk, mantendo embalagem e qualidade originais.
Já contei sobre a efêmera oferta de leite como merenda escolar. Era servido quente em copo de vidro. Sempre que tomo o leite quente puro, sou levado a lembrar daqueles poucos dias em que o experimentei pela primeira vez. Claro que o sabor e aroma daquela época eram mais fortes e gostosos.
Um sabor e visão inesquecíveis são os de uma torta úmida que era vendida num bar perto de casa. A consistência caramelizada do petisco, de sabor e odor marcantes, nunca mais encontrei em ofertas atuais. Eu posso garantir que daquele doce eu realmente sinto saudades.

A primeira vez que percebi o cheiro de eucalipto foi durante minhas pescarias e o nadar pelados num riacho na periferia de Londrina. Bem mais tarde, nos estudos da faculdade, consegui identificar aquele odor marcante como advindo das folhas de Eucalytpus citriodora. Seu nome científico retrata genialmente o cheiro perfumado de limão que a árvore exala. Mesmo uma única árvore isolada ou uma alameda ou uma floresta desta espécie de eucalipto, é capaz de exalar aquele perfume para o ambiente do seu entorno. O antigo viveiro florestal da antiga empresa papeleira Klabin do Paraná, em Monte Alegre, tinha em todo seu contorno uma fileira deste eucalipto. Uma das funções era o de proteger a área como cortina quebra-vento. A outra, talvez, fosse a de propiciar um ambiente perfumado para os que ali trabalhavam. Havia até queixa de que provocava dor de cabeça no fim do dia.
O último odor que vou relatar e que me é inesquecível, foi quando em minhas andanças pela redondeza de onde eu morava, adentrei numa casa abandonada. Era de alvenaria, com uma varanda na frente e quintal grande, construção bastante comum naquela época. Pelas condições de conservação, estava vazia e abandonada há muito tempo. A varanda era usada para a defecação de transeuntes apurados. Ao adentrar a varanda, a visão das bostas, umas mais frescas e outras mais secas e enegrecidas não foi das melhores, mas impregnou minha memória visual. Mas, o que permaneceu indelével foi o cheiro da bosta humana, seca e enegrecida. Dentre os animais, acho que o resultado do catabolismo do ser humano é o mais fedido, pois sendo omnívoro, come de tudo e o descarte é um verdadeiro desastre, visualmente e odoriferamente.