AFRICA

Esta é uma coleção de crônicas baseada em fatos ocorridos durante as atividades no Projeto de Desenvolvimento da Província do Niassa, Moçambique, no período entre 1980 e 1982.

São narrativas pitorescas de situações vividas no campo e na cidade, mostrando as características do povo e os costumes moçambicanos de pós revolução, depois de longos anos como colônia portuguesa. 

Como o subtítulo diz, serão entremeados textos com imagens, sempre que possível, para ilustrar as aventuras africanas.

É inevitável a abordagem profissional nos contos, o que considero ser didática e aditiva ao conhecimento geral.

Está previsto um total de 22 capítulos, a serem publicados a cada semana.

CONTEÚDO

Marcando território no Cabo da Boa Esperança

Um dos objetivos mais importantes dos europeus da idade média era descobrir o caminho marítimo para a Índia, de onde vinham as especiarias tão apreciadas até hoje, em nível mundial, como o gengibre, a pimenta do reino, o cravo da índia, açafrão, entre outras. O caminho por terra teria que seguir a rota das especiarias, monopolizado pelos árabes e centralizado em Veneza, o que encarecia os produtos. Os portugueses eram os únicos com poder para empreender as descobertas por mar.

Foi com a premissa de descobrir a rota almejada, por motivos dúbios, a frota capitaneada por Pedro Álvares Cabral acabou aportando em novas terras, pensando que havia chegado à Índia. Fala-se de motivos dúbios, porque o português Bartolomeu Dias já havia chegado, em 1488, à península do extremo sul do continente africano, denominando o ponto como Cabo das Tormentas, mais tarde, rebatizado como Cabo da Boa Esperança. Dez anos depois, outro lusitano, Vasco da Gama, foi o primeiro navegador a contornar o Cabo da Boa Esperança, navegando pelos dois oceanos: do Atlântico para o Índico. A frota de Cabral descobriu o Brasil um ano depois do feito de Vasco da Gama.

Histórias à parte, um acontecimento digno de registro, é a minha visita ao Cabo da Boa Esperança, especificamente, ao monumento que marca a aventura de Bartolomeu Dias. Este monumento está edificado no ponto setentrional da África do Sul, na Cidade do Cabo.

Cidade do Cabo, África do Sul. 1980.
Caminho para o extremo sul da África. 1980.
Encontro do Oceano Atlântico com o Oceano Índico. 1980.
Monumento à Bartolomeu Dias, África do Sul. 1980.
Montanha da Mesa, Cidade do Cabo. 1980.
Marcando território no Cabo da Boa Esperança. 1980.

Há um ditado popular que retrata muito bem o comportamento do brasileiro (no caso, os homens que mijam em pé) que diz:

Quando um brasileiro mija, todos mijam

O colóquio no Ministério da Agricultura

Encontrar-se com autoridades é um dos expedientes a que se está sujeito quando se atua em projetos internacionais. Em minhas andanças pelo mundo, tive que participar em alguns desses expedientes. Entre encontros com Presidentes e Ministros de Estado, o que marcou minha memória foi o evento acontecido na sala do Ministro da Agricultura de Moçambique.

Como acontece no Brasil, por vezes, a espera para o início do encontro com qualquer autoridade pode demorar mais que o previsto. Já havíamos passado pelo filtro do chefe de gabinete e estávamos alojados com certo conforto na sala ministerial. Entre conversa séria, conversa fiada e piadas, rolou um assunto nada convencional para um ambiente daqueles.

Não me lembro quem começou o tema sobre o centro de equilíbrio do ser humano. Como todos sabem, todo e qualquer corpo ou objeto está sujeito a ação da gravidade da Terra. Trocando em miúdos, tudo que é mais pesado que o ar deve ficar preso ao chão. Existe um ponto chamado centro de gravidade. Nos humanos, localiza-se próximo aos quadris, aproximadamente a 55% da altura, a partir chão. Dependendo do movimento do corpo, este ponto pode se deslocar para manter o seu equilíbrio. É só se lembrar do brinquedo conhecido como “João Bobo”, que sempre retorna ao seu ponto inicial de equilíbrio.

A conversa foi desenrolando até chegar no assunto sobre onde fica o centro de gravidade quando estamos agachados. Existem pessoas que não conseguem ficar agachadas com a planta inteira dos pés no chão. Ao tentar fazê-lo, acabam se desequilibrando e tendem a cair, geralmente para trás, de bunda. Outras, conseguem o intento de maneira fácil e podem ficar longo tempo agachados, sem se cansar. Conversa vai, conversa vem, passando pelo tema de como as pessoas do primeiro tipo fariam cocô no mato.

Para dinamizar o colóquio, é claro que passamos para a fase da experimentação e demonstração da capacidade de cada um dos presentes em executar a façanha recém discutida. Dentro no nosso grupo, havia representantes dos dois tipos: os que não conseguiam ficar agachados sem cair e os que dominavam o seu centro de gravidade para não cair. Eu sou daqueles que consegue fazer cocô no mato sem se lambuzar.

Estávamos precisamente nesta fase da demonstração, quando adentra a sala o Ministro da Agricultura. Após o choque inicial, já levantados e perfilados, fomos cumprimentados um a um pela autoridade.

Na saída, após as tratativas oficiais e comerciais, penso ter ouvido o Ministro cochichar no ouvido de seu assessor:

~ O que estavam os brasileiros cooperantes a “fazeire” em meu gabinete, heim?

~ Será que estavam ensaiando a “cagaire”?

Aprendemos que, o colóquio deve ser compatível com o ambiente em que estamos, para evitar mal entendimentos.