Coleção encerrada - Publicada como e-book
Esta coleção foi descontinuada no decorrer de 2023.
O conteúdo total foi editado em formato de livro e-book e publicado na Amazon.
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Buscar pelo título “Cartas para Alice” ou pelo autor “Marta Kino”.
Esta coleção, iniciada em 2022, contém orientação sobre comportamento, cultura e conhecimento na forma de historietas, narrações e descrições.
Embora escrito como cartas endereçadas à minha neta Alice, o propósito é atingir leitores de todas as idades, pois o conteúdo é altamente didático e propício a educação social, ambiental e cultural.
CONTEÚDO
Edição 2023
Edição 2022
O gênio Beethoven
2022 fevereiro 05
Querida Alice.
Hoje contarei um pouco sobre a carreira de um personagem que me impressionou como o maior gênio da humanidade, o compositor alemão Ludwig van Beethoven, que nasceu em 17/12/1770 na cidade de Bonn, antigo Reino da Prússia, capital da ex-República Federal da Alemanha (entre 1949-1989) e atualmente uma cidade do estado da Renânia Norte-Vestfália, Alemanha. Em 1975, tive a oportunidade de conhecer e visitar a casa onde Beethoven nasceu. Naquela oportunidade, vendo o seu antigo cravo e objetos pessoais, senti vibrações que confirmaram a admiração que eu já cultivava por ele. O compositor morreu em Viena, Áustria, em 26/03/1827, com a idade de 57 anos.
A sua genialidade não se restringiu apenas em compor músicas. Sua paixão pela liberdade, em todos os sentidos, política, artística, credo, escolha, sobretudo a liberdade individual, faz dele um personagem importante da valorização do indivíduo numa sociedade humana.
Beethoven não se aprofundou nos estudos. Aos 11 anos já dominava as composições de Johann Sebastian Bach e foi considerado um novo Mozart (Wolfgang Amadeus Mozart). Aos 17 anos foi enviado para Viena para estudar com Joseph Haydn. Retornando logo depois para a sua terra natal, iniciou estudos em literatura, tornando-se amigo dos poetas Friedrich Schiller e Johann Wolfgang von Goethe, líderes do movimento literário romântico que teve grande influência em todos os setores culturais da Alemanha.
Em 1792, com 21 anos de idade, mudou-se para Viena onde ficou até a sua morte. Foi definitivamente aceito como aluno de Haydn, iniciando a compor suas primeiras obras de grande repercussão. Aos 26 anos foi diagnosticado com problemas de surdez, que foi se aprofundando até a praticamente completa surdez aos 46 anos. Embora não deixando de trabalhar, o problema levava-o à loucura, incitando desejo de suicídio. Foi o período mais fértil de sua carreira como compositor, tendo desenvolvido a maioria de suas sinfonias. Sua última sinfonia, a de número nove, teve estreia em 1824, com coro e versos do poema “Ode a Alegria” de Schiller, é considerada por muitos como sua obra-prima.
Hoje irei relatar sobre a Sinfonia Nº 5 de Beethoven, composta entre 1807 e 1808, uma das mais conhecidas. É aquela que inicia com o tcham – tcham – tcham – tchaaaam. Se quiser ouvir um trecho, clique aqui.
Estas quatro notas musicais forma uma sonorização melodiosa da letra “V” do código Morse, que foi desenvolvido por Samuel Morse para uso em telegrafia tão somente em 1835, ou seja, quase 30 anos mais tarde de quando a sinfonia foi composta. Será que Beethoven era um visionário que previa o futuro? Se recorrermos à história, veremos que um músico e matemático, de nome Pingala, que viveu na Índia entre 400 e 200 anos a.C. havia desenvolvido um sistema de comunicação binária (usando traços e pontos), bastante similar ao futuro código Morse. Quem sabe se talvez Beethoven tivesse conhecimento daquele sistema de Pingala?
Coincidência ou não, as quatro notas principais da sinfonia representam, sonoramente, a letra “V”, ou seja, em código, ponto – ponto – ponto – traço e na melodia, nota curta – nota curta – nota curta – nota longa. Como você deve se lembrar, em algarismos romanos o número cinco é representado pela letra “V”. Então, o gênio Beethoven inspirou-se na sonorização da letra “V” em código binário para servir de base para a composição de sua quinta sinfonia.
Por isso, considero Beethoven um verdadeiro gênio que concretizou feitos além do seu tempo.
Em contrapartida, a genialidade do ser humano pode ser usada também para o mal.
Entre 1939 e 1945 (um ano antes do meu nascimento) aconteceu a Segunda Guerra Mundial, que envolveu vários países, inclusive o Brasil. Não entrarei em detalhes sobre o conflito, relatando somente o que precedeu o seu término.
Havia dois grupos de guerra: o chamado eixo, formado pela Alemanha, Itália e Japão e o conhecido como aliados, com os Estados Unidos da América, a Inglaterra e a Rússia liderando um contingente de vários países. Já quase no fim da guerra, os aliados planejaram durante um ano uma invasão em massa pelo mar à Europa, deixando em dúvida a data exata do desembarque na costa da Normandia, uma região ao noroeste da França, país dos aliados.
O sinal em segredo para indicar a noite do ataque seria a transmissão por uma emissora comercial de rádio, num determinado horário pré-estabelecido, da Sinfonia Nº 5 de Beethoven. Os aliados sabiam que tal irradiação indicava o dia “D” da invasão, que ocorreu em 6 de junho de 1944. O intuito de usar a sinfonia foi que suas quatro notas básicas representavam a letra “V” de vitória. A partir de então, formar um “V” com os dedos indicador e médio tem o significado de ser vitorioso, desejar atingir vitoriosamente um objetivo, assim por diante.
Assim, Alice, estou oferecendo um “V” para que você obtenha vitória em todos os dias.
Um forte abraço
Do teu avô.
O que é ser feliz
2022 fevereiro 17
Querida Alice.
Você se considera feliz?
Se demorar alguns segundos para responder, você está certa.
A felicidade ou sentir-se feliz é algo estritamente pessoal. Pessoas que se consideram espertas são capazes de disfarçar externamente o seu coração, mas por dentro, são infelizes. Quando a criança está no ventre da mãe, a felicidade é sentir-se amada e se desenvolver naquele ambiente aquoso, quentinho e tranquilo, com uma alimentação perfeita. Ao nascer, começa a vida apanhando umas tapinhas na bunda para chorar. O novo ambiente é totalmente adverso e inseguro. Daí, o colo da mãe é o seu novo porto seguro. Quando consegue abocanhar o mamilo e receber o seu primeiro alimento, é o momento mais feliz, que compensa ter-se despedido da vida uterina.
Os vegetais são seres autotróficos, ou seja, capazes de usar energia provinda do Sol, transformando elementos químicos simples em produtos mais complexos dos quais irão se alimentar. Por outro lado, os animais, incluindo o ser humano, são heterotróficos, ou seja, não conseguem produzir seu próprio alimento. Alimentam-se de outros seres para sobreviver. Esta cadeia alimentar sempre existiu desde os primórdios dos tempos.
O humano moderno é um animal omnívoro, ou seja, alimenta-se de todos os produtos, vegetais e animais.
Mas nem sempre foi assim.
No princípio, os humanos eram coletores, ou seja, coletavam frutos, sementes e raízes para a sua alimentação. Os seus dentes estavam preparados anatomicamente para cortar e triturar. Passavam a maior parte do dia nessa tarefa de coleta. A maior felicidade era encontrar um alimento e come-lo. Dentre as folhas, frutas, raízes e sementes, estas últimas eram as preferidas, pelo sabor e valor nutricional. O som produzido quando trituradas pelos dentes molares bem desenvolvidos era divinal, acompanhado pelo sabor mais consistente devido às proteínas e lipídios.
Tais momentos de felicidade podem ser reconhecidos nos dias atuais. A comida é mais gostosa quando tem textura crocante, pois o som que acompanha o seu triturar é uma reminiscência do momento feliz de se alimentar que persistiu pelos milênios de evolução.
O cérebro humano veio a se desenvolver depois de descobrir o alimento de origem animal. Talvez a observação dos animais carnívoros tenha sido a inspiração do homem coletor a tentar diversificar seus hábitos alimentares. Para isso, ao longo da evolução, desenvolveu um primórdio de dentes rasgadores de carne, os nossos atuais dentes caninos.
Afinal, seja qual for o prato que comamos, o que tiver textura crocante, com certeza nos deixará mais feliz. O homem das cavernas não tinha pressa, demorava em sua cata de frutas, sementes e raízes. Por isso, destinava um longo tempo para degustar o seu alimento primitivo, prolongando assim momentos de felicidade.
Na atualidade, o que vemos são pessoas com tempo cada vez mais escasso para se alimentar. Lanchonetes do tipo fast food, pastelarias e setor de alimentação dos shoppings são redutos destinados para deglutir rapidamente a comida, sem desfrutar daqueles momentos mais felizes de quando bebê, que era mamar o leite materno.
É recomendado, para uma boa digestão, que mastiguemos cada porção de alimento, no mínimo, umas 30 vezes. Eu me costumei a mastigar umas 60 vezes, até o bolo alimentar se tornar quase líquido e for passando por si para a faringe e esôfago. Esta experiência traz-me momentos prolongados de felicidade, com a sensação gustativa completa dos alimentos. Em outras palavras, a comida torna-se mais gostosa.
Espero que a leitura desta carta possa ser útil para você ser mais feliz por mais tempo.
Um forte abraço
Do teu avô.
A comunicação entre as pessoas
2022 fevereiro 06
Querida Alice.
Você está acostumada a se comunicar com outras pessoas de forma rápida e eficiente, usando celular e internet. Até aulas online você pode assistir com toda a segurança em sua própria casa.
Mas, nem sempre foi assim. Hoje contarei sobre como o homem das cavernas chegou às formas de comunicação que você conhece.
Desde cedo, o homem sentiu a necessidade de se comunicar com seus próximos. Para isso, usou de expressões corporais, gestos, grunhidos e outros sons, que foram sendo relacionadas a fatores do dia a dia, como alimentação, ferramentas para caça, plantas e assim por diante. O acúmulo de tais experiências foi fixado em pinturas rupestres das cavernas, os primeiros abrigos do homem primitivo. Os rudimentos de escrita datam de uns dez mil anos atrás, quando a civilização suméria usou a comunicação por formas pictóricas, as conhecidas como escritas cuneiformes. Não eram propriamente letras. Eram desenhos de ideias desde simples até mais complexas. O princípio foi usado pelos antigos egípcios e a escrita chinesa moderna usa, até hoje, os conhecidos ideogramas que os japoneses chamam de kanji, que evoluíram de desenhos dos objetos ou das ideias. A Figura 1 mostra a evolução do desenho de uma árvore para o ideograma ki, que significa árvore. Na Figura 2 é mostrada como a ideia de três objetos foi codificado para kanji, respectivamente árvore (ki), bosque (hayashi), com poucas árvores e floresta (mori), com muitas árvores. Note que alguns kanji podem ser usados como nome de família, indicando a atividade profissional, localização de morada ou propriedade de ancestrais originais daquela família.
Figura 1: Evolução do desenho de uma árvore para o ideograma que o identifica.
Figura 2: Três ideogramas que foram desenvolvidos de desenhos das respectivas ideias.
Com o passar do tempo, precisou-se da comunicação mais a distância, para avisos como catástrofes, doença, etc. Quando os gritos já não eram suficientes para cumprir a tarefa, sons amplificados por tambores foram os primórdios da telecomunicação. Os indígenas norte-americanos usavam os sinais de fumaça para tais comunicações importantes. Fazia-se uma fogueira com madeira seca e depois eram colocadas folhas verdes para produzir fumaça e cobria-se com uma lona. Os tufos intensos de fumaça eram liberados erguendo-se a lona. O tamanho dos tufos de fumaça e seus intervalos podiam ser vistos e interpretados a longa distância.
Você pode imaginar a fragilidade de tais formas de comunicação. Com a evolução da comunicação verbal e escrita, a informação remota era transmitida mais eficazmente pelos mensageiros e carteiros. Os faraós usavam muito destes estafetas para levar comunicações que podiam demorar dias ou semanas. No tempo das diligências do velho oeste norte-americano havia estações para troca de cavalos e cocheiros quando as mensagens e passageiros tinham longo caminho até o destino.
O final do século 18 foi o marco para a modernização das comunicações com a invenção do radio por Guglielmo Marconi na Europa, que agilizou bastante o telégrafo por fio que tinha sido inventado por Samuel Morse na América no início daquele século.
Daí, para o telefone discado e o velho computador de fita magnética foi um piscar de olhos. Hoje em dia, podemos conversar ao vivo e a cores com amigos que moram no outro lado do planeta, graças à evolução muito rápida das comunicações.
No entanto, mesmo com a rapidez e conforto atuais, as comunicações podem não conseguir o seu intento, por interferências de diversos tipos. Além disso, a sigilo das comunicações é alvo dos piratas da internet. Conclui-se assim, que os riscos das comunicações ainda continuam presentes desde a época dos nossos ancestrais da idade da pedra.
A grande falha das comunicações está na interferência que pode ocorrer no meio do caminho entre a fonte e o destino. Na época dos gritos, tambores, sinais de fumaça e outras formas simples de comunicação remota, a interferência era representada pelas condições físicas e atmosféricas e, no caso dos mensageiros, pela capacidade de transmissão exata. Na atualidade, a interferência é representada pelas quedas de energia, queda da internet, sinal fraco, conta não paga, etc. Sem contar as mais perigosas, representadas pelas fakenews e pelos hackers.
Existe uma brincadeira para ilustrar muito bem as falhas de comunicação. Deve ser conduzida com a participação de várias pessoas, no mínimo, dez.
Tente fazer esta experiência com seus colegas. Devem estar enfileirados ou em círculo com uma distância de um metro uma da outra, aproximadamente. Cochiche bem baixinho, uma única vez, uma frase no ouvido da primeira da fila, instruindo para passar para a próxima, do jeito que ouviu e entendeu, sempre cochichando e tomando o cuidado para que ninguém outro ouça. Pode ser uma frase simples, como “o rei trajando um manto amarelo apareceu e trocou o cinto preto pelo casaco dourado”. Depois que todos da fila ouviram e retransmitiram a mensagem, você irá se surpreender o que o último da fila relatar em voz alta a mensagem recebida.
Disso, aprendemos que qualquer comunicação, verbal, escrita ou por sinais, deve ser interpretada com muito cuidado.
Isso vale também para este texto.
Um forte abraço
Do teu avô.
Gandhi dá o exemplo
2022 fevereiro 22
Querida Alice.
Hoje irei abordar sobre a importância da convicção quando se transmite um ensinamento, um conselho, uma orientação. Na verdade, tudo o que nos propusermos a realizar, antes de qualquer coisa, é necessário ter conhecimento sobre o assunto e, principalmente, estar convicto da veracidade e retidão.
Um exemplo disso pode ser retratado num episódio ocorrido no final da vida de Mahatma Gandhi, quando já estava recolhido em sua casa e se dedicava a ajudar a todos que o procuravam para obter orientação para algum tipo de problema da vida.
Gandhi nasceu na Índia colonial em 1869 e formou-se advogado na Inglaterra. Como expatriado da colônia britânica na África do Sul, defendeu as comunidades autóctones sob a bandeira da não violência, atitude que impregnou sua personalidade a vida toda. Ao retornar à Índia em 1915, iniciou diversas lutas que culminaram na independência da colônia inglesa, seguindo sempre o mote da luta sem uso da violência. Mesmo livre do colonialismo em 1947, a Índia continuou separada por facções religiosas, entre hindus e muçulmanos. Morreu assassinado por um nacionalista hindu em 1948.
Num certo dia, durante as orientações que realizava, Gandhi recebeu a visita de uma senhora e seu filho. A mãe fora pedir um aconselhamento ao mestre pelo fato de seu filho estar gordo porque comia muita bala doce.
– Veja Mestre, como ele está gordo! Eu não consigo fazer com este menino deixe de chupar balas.
Gandhi demorou bastante para refletir. Depois de alguns longos minutos, disse à mãe:
– Volte aqui depois de uma semana.
A mãe saiu um pouco desapontada, mas seguiu a orientação de Gandhi.
Na semana seguinte, voltam a mãe e o garoto gordo novamente à tenda do mestre.
– Mestre, eis me aqui conforme me pediu. Então, o senhor conseguiu encontrar uma solução para o caso?
Sem pestanejar, Gandhi disse:
– O menino precisa deixar de chupar balas.
A mãe, atônita com tal desfecho, comentou:
– Mas Mestre, o senhor poderia ter dito isso na primeira vez que aqui estivemos.
– Sim, poderia. Mas para ter a convicção da orientação correta, eu precisei provar a mim mesmo ser possível deixar de chupar balas durante esta semana que passou, pois eu também sou louco por balas.
Veja você Alice que, mesmo um grande mestre como Gandhi, que foi indicado por três vezes ao Prêmio Nobel, teve que se exercitar para obter a convicção da eficácia da orientação correta.
Palavras ao vento são como alimentar-se de casca de ovos.
Um forte abraço
Do teu avô.
Dois povos, virtudes semelhantes
2022 fevereiro 21
Querida Alice.
Assim como você, eu tenho ascendência japonesa.
Certamente, tenho orgulho de ser descendente por inteiro. Meus pais foram imigrantes que chegaram ao Brasil em 1934 e nunca retornaram ao país de origem. Desde cedo aprendi a conviver com a cultura nipônica praticada dentro do lar, como o idioma, a comida, costumes caseiros e alguns aspectos sociais e assim por diante. Muitos de tais costumes impregnaram e moldaram a minha personalidade.
Dentre as qualidades e virtudes do dia a dia aprendidas, posso ressaltar como importantes o senso de responsabilidade e a pontualidade em geral, principalmente com os compromissos. Desde muito jovem, percebi que tais virtudes eram bem vistas e admiradas. Certamente, muitas das oportunidades que vieram ao meu encontro são devidas a minha identidade com tais qualidades.
Não posso dizer que fui um expoente nos estudos. Na verdade, nunca gostei dos compromissos escolares, direcionando minha atenção e tempo mais para o lazer e ao trabalho. O meu desempenho, no entanto, deve-se ao fato de que eu assistia às aulas com muita atenção e afinco, procurando entender o significado da matéria lecionada. Somente as primeiras folhas dos meus cadernos eram preenchidas, pois o meu foco estava em ouvir e ver atentamente a explanação.
Assim foi que conclui a graduação na universidade. Sem precisar fazer qualquer exame final, o que muitos consideram ser um feito extraordinário. Acho que as oportunidades começaram nessa época. O meu primeiro emprego veio por convite quando eu ainda não havia me formado. Na verdade, meio ano antes. Uma enxurrada de outras oportunidades foi surgindo aos montes. A que eu considero mais relevante foi o convite para estudar na antiga Alemanha Ocidental, para fazer o doutorado. Com direito a bolsa de estudos do governo alemão e poder levar a esposa junto.
Lá, eu pude constatar a semelhança de certas virtudes que eu já conhecia e praticava. Reprisando, senso de responsabilidade, respeito para com os mais velhos, presteza na execução de compromissos, pontualidade e disciplina, dentre outros costumes, já faziam parte do meu dia a dia. O mesmo aconteceu com a minha esposa, tua querida avó ou Báá como você a chama. Dificuldades tivemos, mas graças à boa convivência com os costumes e virtudes semelhantes entre o povo japonês e o povo alemão, passamos os 42 meses com garbo, desfrutando de inúmeras boas amizades, aprendendo profundamente o idioma alemão e conhecendo diversos países e seus outros costumes, comida, vestuário, idioma, humor, etc.
As oportunidades não cessaram de aparecer. Retornei inúmeras vezes à Alemanha, sempre a convite e com bolsa de apoio do governo alemão.
Numa dessas viagens, já depois de me tornar budista, tive a oportunidade de participar de atividades da Soka Gakkai International (SGI) alemã. Foi numa reunião na cidade de Hamburgo, onde conheci o responsável pela divisão dos jovens. Mais tarde, ele veio a se tornar o presidente da SGI-Alemanha. Naquela reunião, lembro-me de ele ter abordado sobre os temas de responsabilidade e pontualidade. Apresentou uma orientação do professor Josei Toda, que foi o segundo presidente da SG-Japão, que dizia haver duas virtudes que podemos exercer sem nenhum custo ou esforço, mas que garante um enorme prestígio na sociedade. A primeira é ser pontual. A segunda é sempre cumprimentar as pessoas.
Espero então, Alice, ter transmitido um pouco da minha experiência de vida e que você receba como oportunidade para aprender a ter prestígio na sociedade, exercendo desde jovem as virtudes e valores humanos que fazem a diferença.
Um forte abraço
Do teu avô.
Fome e desperdício
2022 fevereiro 24
Querida Alice.
Uma vida exemplar é aquela que desperta inspirações baseadas em atitudes desejáveis. Na história da humanidade podemos encontrar inúmeros casos de pessoas que praticaram tais atitudes em suas vidas, tornando-se exemplos a serem seguidos.
Dentre algumas atitudes desejáveis, existe uma que pode ser praticada individualmente, todos os dias, que garante enormes e positivos impactos sociais, econômicos e ecológicos. Tal atitude envolve o desperdício e a produção de lixo.
Eu já abordei em outras vezes sobre a principal necessidade do ser humano, que é alimentar-se. Quando não consegue alimento, morre de fome. Esta é uma das misérias mais profundas e é a mais comum no mundo em todos os tempos. São aproximadamente oito bilhões de pessoas que habitam o planeta atualmente. Deste número, mais de 10% ou seja, mais de 800 milhões passam fome, diariamente. Muitos morrem por inanição.
Vamos fazer um exercício aritmético. É sobre os impactos que podem causar o simples ato de deixar sobrar grãos de arroz no prato de comida.
A atual população do Brasil ultrapassa os 212 milhões de pessoas. Acredito ser razoável supor que 70% dos brasileiros consumam arroz nas refeições e que, metade deles almoça e janta. Isso resulta um número aproximado de 75 milhões de pessoas consumindo arroz duas vezes ao dia. Se cada uma dessas pessoas deixar sobrar um único grão de arroz no prato (e esta é uma consideração extremamente otimista, pois quase ninguém deixa apenas um grão), haverá um desperdício de 150 milhões de grãos de arroz por dia. Isso equivale a aproximadamente três toneladas de arroz por dia ou 1000 toneladas por ano. Esse número é obtido com base no arroz cru, que será utilizado para o item que segue abaixo.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação recomenda 60g de arroz na merenda escolar. A cesta básica prevê um consumo médio de 100g, o mesmo valor recomendado para o trabalhador. Vamos usar o valor de consumo de 100g de arroz por dia por pessoa. Se basearmos no valor de desperdício obtido anteriormente, resulta que isso daria para alimentar 30 mil pessoas por dia. Isso equivale a garantir alimentação com arroz da população inteira de uma cidade de pequeno porte.
Flagrante de um prato após o uso num restaurante universitário.
Note a quantidade de arroz e guardanapos.
Foto: M.T. Inoue, 2004.
Vejamos agora sobre o impacto ambiental que o desperdício poderia causar. As três toneladas de arroz desperdiçadas acumulam mais de 10 toneladas de lixo orgânico oriundo unicamente do grão de arroz deixado no prato.
A realidade, no entanto, é muitas vezes maior, pois a cultura que impera no país é que deixar o prato de comida sem restos de alimentos é até deselegante. O Brasil acumula anualmente cerca de 37 milhões de toneladas de lixo orgânico. Cada tonelada acarreta a liberação de 350 a 500 metros cúbicos de metano, um gás que é 21 vezes mais potente que o gás carbônico para o aquecimento global, pois afeta a camada de ozônio e provoca doenças pulmonares.
Veja então, Alice, um simples ato de não deixar sobrar comida no prato, todos os dias, é uma atitude desejável: ajuda a diminuir o desperdício e contribui para a minimizar a pressão sobre o ambiente.
Como uma cidadã do mundo consciente, pratique esta atitude desejável.
Um forte abraço.
Do teu avô.
Coisas fantásticas
2022 Setembro
Querida Alice.
O smartwatch que você usa já foi coisa de ficção científica em meados do século 19.
Em suas aventuras interplanetárias, Flash Gordon, o herói das histórias em quadrinhos, conversava com seus amigos pelo vídeo do seu relógio de pulso.
O giroscópio contido no teu celular, que controla a posição fixa ou móvel das imagens e textos, é um mecanismo que, na mesma época de Flash Gordon, ainda era uma invenção muito recente e que não se tinha uma precisa ideia para o que serviria.
Assim é a maioria das coisas inventadas, descobertas ou construídas pelo homem. Hoje pode ser uma ficção e num futuro, breve ou longínquo, será de uso comum no dia a dia das pessoas.
O físico e químico britânico Michael Faraday (1791-1867), foi um dos maiores cientistas e inventores de todos os tempos. Dentre outros inventos que lhe são creditados, talvez o mais intrigante seja a conhecida “gaiola de Faraday”, apresentada em 1836. Seus amigos e assistentes à sessão demonstrativa ficaram atônitos ao o verem adentrar a sua gaiola totalmente eletrificada, com faíscas elétricas saindo para todos os lados e depois, sair incólume do experimento. Os mais céticos perguntaram-lhe qual seria a utilidade prática daquele invento. Ao o que Faraday respondeu sem pestanejar:
– Vocês poderiam me dizer qual é a utilidade prática de um bebê recém-nascido?
Hoje irei contar sobre o meu primeiro contato com coisas fantásticas quando eu estava começando os estudos no ginásio como você, que agora adentra a sexta série do fundamental.
Não sei dizer de quem ou de que grupo foi a iniciativa. Certamente, de pessoas da ciência ou da indústria interessadas em divulgar os mais recentes avanços tecnológicos, provavelmente oriundos dos Estados Unidos da América. A indústria brasileira era ainda incipiente.
A demonstração reuniu alunos, professores e outros interessados no Salão Nobre do antigo Colégio Estadual “Prof. Vicente Rijo”, ainda sediado na Rua São Salvador, em Londrina. Recinto totalmente lotado, demonstradores a postos no palco. Uma a uma, as coisas que julguei na época, simplesmente fantásticas, foram sendo apresentadas ao vivo e a cores.
O fogão sem fogo, no qual foi frito um ovo numa frigideira sobre um guardanapo. Depois de mostrar o ovo devidamente frito, o demonstrador coloca a sua mão sobre o fogão! Sem se queimar. Era o primórdio de um fogão por indução eletromagnética. Só mais recentemente tal tipo de fogão entrou no mercado brasileiro. Mais de meio século depois.
O giroscópio foi apresentado de maneira similar ao da demonstração da “gaiola de Faraday”. Ou seja, sem clara definição de suas finalidades úteis. O demonstrador colocou uma mala, contendo o giroscópio, inclinada e equilibrada num dos seus quatro cantos, sobre uma pequena plataforma que podia girar livremente. A mala girou para a direita. Quando colocada equilibrada em outro de seus cantos, ela simplesmente mudou o sentido do giro para a esquerda.
Fantástico!
Atualmente, o giroscópio é um componente comum em inúmeros artefatos, incluindo aviões, espaçonaves, automóveis, transatlânticos, etc., para controlar a navegação do veículo. No nosso corpo existe um órgão com funcionalidades iguais, que é o labirinto do ouvido interno. Ele é preenchido com um liquido viscoso que se ajusta conforme o nosso movimento. É graças ao labirinto que podemos nos manter de pé, andar sem cair e assim por diante.
Houve a demonstração de que uma onda, elétrica ou sonora, tem a forma sinusoidal e que se propaga horizontalmente. Entre o gerador de áudio e o microfone, havia um anteparo plano com aletas, por onde podia passar uma onda sonora. Quando o anteparo foi colocado com as aletas no sentido horizontal, o som passou livremente pelo anteparo e foi recebido pelo microfone do outro lado. Isso não aconteceu quando o anteparo foi colocado com as aletas no sentido vertical.
Um barulho ensurdecedor foi a demonstração de motor a explosão turbinado. A velocidade de rotação era fantástica, além de sua uniformidade. Os carros com motor turbo são ainda uma novidade para a nossa época atual.
Duas conclusões: uma, que as coisas fantásticas podem demorar bastante a serem implementadas para um uso prático. Outra, que certamente o visionário de hoje pode ser, num futuro, aclamado como herói ou reconhecido pelas suas ideias malucas e fantasiosas.
Se você Alice, pretende ser uma cientista, não restrinja a tua imaginação, por mais insana que possa parecer agora.
Um forte abraço.
Do teu avô.
Como ser samaritano
2022 Outubro 10 – Aniversário de 10 anos.
Querida Alice.
O espírito de solidariedade acompanha o ser humano desde os primórdios dos tempos. A população do mundo era pequena e as adversidades eram enormes, como as intempéries, escassez de alimento e abrigo e, sobretudo, o perigo representado pelos outros animais selvagens ou até mesmo pelo ataque de alguma tribo inimiga. Assim, a ajuda mútua era uma necessidade do dia a dia.
Atualmente, as adversidades são representadas por outros tipos de dificuldades. Mas as necessidades básicas do ser humano continuam as mesmas, em dimensões bem maiores. A solidariedade do início dos tempos ficou distribuída em instituições organizadas, como órgãos do governo e agremiações de apoio e caridade. Apesar do esforço, vemos cada vez mais pessoas sofrendo por falta de necessidades básicas.
Existem ditados que orientam algumas ações solidárias.
Dentre tais jargões, eu cito: Dar água a que tem sede, dar pão a quem tem fome.
E acrescento: Dar um jornal a quem tem frio.
E explico: claro que quem está passando frio não está interessado em ler notícias de jornal. O que precisaria seria um cobertor. No entanto, o papel de jornal, revista ou papelão de embalagens desempenham garbosamente a missão de proteção contra o frio.
E apresento a minha experiência. Quando eu estudava na universidade, o caminho de onde eu morava até a faculdade tinha uns três quilômetros e eu os vencia sempre a pé ou, às vezes, de ônibus. Foi quando adotei uma técnica para diminuir o efeito do frio.
Você, Alice, que nasceu e mora em Curitiba sabe bem o que é caminhar nos meses de inverno!
E quando eu viajava para Londrina, em ônibus noturno, para namorar a tua futura avó nos finais de semana prolongados e nas férias… A viagem era como estar na carruagem de Papai Noel saindo do Polo Norte! Na época ainda não existiam ônibus com calefação.
E ensino a técnica do jornal: envolva todo o pé com jornal (como é um produto em desuso, pode ser sulfite, saquinho de padaria). O papel deve ser bem amassado formando uma pequena bola. Desamasse e embrulhe os pés desde os dedos até aonde fica o cano da meia. Por cima do papel é que deve ser calçada a meia. Este é um expediente que pode ser usado diariamente, desde manhã e retirando à noite. Nas minhas viagens de ônibus noturno foi a salvação. Chegava a Londrina com os pés quentinhos.
Voltando ao assunto da solidariedade, o ato de ajudar o próximo é louvável e deve ser exercido sempre que possível.
Para ser um samaritano de alto nível, é fundamental que se conheça as necessidades do nosso alvo. No caso de quem tem sede, fome ou frio, elas são visíveis e, certamente a ajuda será benvinda. No entanto, quando não conhecemos as necessidades e talvez, nem saibamos se elas serão benvindas, é preciso tomar cautela.
Pela experiência da vida, eu tenho por princípio, ajudar quando sou solicitado. Não vou ajudando de pronto sem saber das necessidades e se elas são benvindas.
Existe uma fábula, não sei quem escreveu.
Certo dia, o macaco estava dependurado em seu galho preferido da árvore que crescia a beira de um riacho. De repente, nota que um peixe está pulando e afundando na água repetidamente. O macaco, pensando que o peixe estava se afogando, foi até o final do galho onde estava, o qual se vergou em direção ao riacho aproximando o macaco do peixe. No próximo pulo, agarrou o peixe com uma das mãos e o jogou para o terreno da margem. Aí sim, que o peixe pulou mais ainda, esbravejando:
– O que você fez?
– Ué, como você estava afogando, eu te salvei.
– Que macaco mais burro! Eu estava pulando para fora d’água por estar alegre e festejando. Você não sabe que nós, peixes, vivemos na água e precisamos dela para sobreviver?
– Desculpa, eu não sabia.
Assim, o macaco conseguiu devolver o peixe ao seu habitat natural e todos foram felizes para sempre.
Veja então, Alice, só ofereça ajuda se tiver certeza do que a pessoa precisa, se você tem a habilidade e capacidade para ajudar e souber de antemão que a ajuda será benvinda.
Assim, você será uma boa samaritana.
Um forte abraço e parabéns pelo seu décimo aniversário!
Do teu avô.
O menino que gostava de planejar
2022 outubro 22
Querida Alice.
Hoje contarei a história do menino que iniciou a planejar a sua vida quando estudava o terceiro ano primário, aos 11 anos de idade. É a idade a qual você está se aproximando sendo, portanto, bem apropriado para aprender um pouco mais sobre a vida.
Não sei o que levou o menino a tomar tal iniciativa. Talvez, devido aos frequentes conselhos do seu tutor sobre a importância de estudar e se tornar um doutor. Naquela época, a qualquer pessoa que tivesse um diploma de curso superior lhe era atribuído tal título. Outro motivo, pode ter sido para ele se exercitar na matéria de desenho da escola.
Certo dia ele decide colocar no papel as suas ideias sobre a vida futura.
Desenhou primorosamente um gráfico de barras, no qual a abcissa (valores do eixo horizontal) representava o tempo em anos e a ordenada (valores do eixo vertical) representava os níveis de estudo em degraus crescentes.
A posição zero do gráfico era o ano de 1956 e o nível de estudo era o terceiro ano do primário.
A meta final do menino era a universidade, ao se lembrar das orientações de seu tutor. Naquela cabecinha ainda inexperiente sobre as coisas da vida, a sua visão do máximo nível de estudo era a conclusão de um curso superior com diploma para ser chamado de doutor.
Você, Alice, agora que completou apenas os seus dez anos de idade, uma representante típica da geração internetiana, sabe que existem outros níveis de estudos que além da universidade. Sem contar outros conhecimentos que, na época daquele menino, tudo era ainda incipiente. Naqueles tempos, não existiam computadores, muito menos telefone celular e internet. Um precursor do computador só existia em grandes universidades estrangeiras e era conhecido como “cérebro eletrônico”. Na realidade, era uma grande máquina calculadora que ocupava uma sala inteira, mais rápida que as barulhentas máquinas mecânicas de calcular existentes em alguns escritórios. Na verdade, os atuais computadores e celulares nada mais são do que simples calculadoras, porém muito velozes capazes de efetuar trilhões de cálculos por segundo. O mais atual supercomputador do mundo, fabricado na China, faz nada menos que 93 quatrilhões de cálculos por segundo. Uma simples máquina que só faz cálculos matemáticos.
Enfim, o que eu gostaria de comentar é que aquele menino executou o seu planejamento à risca, concluindo com êxito os estudos universitários. Com o tempo, aprendeu um pouco mais e aplicou sua inteligência para planejar tudo para a sua vida futura. Mesmo antes de terminar a universidade, já tinha começado a lecionar aulas na faculdade onde estudava, auxiliando alguns de seus professores. Como ele havia trabalhado vários anos em escritório de engenharia antes do vestibular, compartilhou com seus colegas os conhecimentos e experiência acumulados desde tenra idade. Em seguida à conclusão do curso, foi convidado para lecionar na faculdade, realizou estudos de doutoramento no Exterior e seguiu a carreira como professor universitário por toda a sua vida profissional. Durante o seu doutorado, precisou desenvolver um software específico para efetuar os cálculos necessários à sua pesquisa, usando um computador de mesa que usava fita cassete para armazenamento do programa nativo do sistema e dos dados da pesquisa. O que era um luxo para a época. Foi assim que ele aprendeu e continua a desenvolver programas de computador e correlatos.
Um aprendizado importante deste relato é dar os passos tendo analisado os possíveis cenários futuros, otimistas e pessimistas. Assim fazendo, é possível que venha a sofrer por antecedência, mas sempre de forma imaginária. Quando o verdadeiro cenário ocorrer, o coração, a mente, o corpo e o bolso estarão preparados para vencer quaisquer obstáculos sem temor e estresse, pois eles já serão um passado virtualmente vivido. Planeje tudo, nos mínimos detalhes, até o último prego (relembrando os dotes de marceneiro herdados do meu avô e do meu pai), e execute com toda a sabedoria e poder que tiver a mão.
Continue sendo a menina inteligente que conheço.
Forte abraço.
Do teu avô.
Espírito de gratidão
Março de 2023.
Querida Alice.
Eu já contei sobre as duas virtudes para garantir respeito e prestígio na sociedade, que são cumprimentar e agradecer sempre as pessoas.
Vou discorrer mais detalhadamente sobre a segunda virtude.
O ser humano é dotado da capacidade de expressar a gratidão de diversas e inúmeras maneiras. O mais simples, é expressar por voz e dizer ‘muito obrigado’, usando suas diferentes formas. Por vezes, tal expressão pode parecer algo automático, rotineiro e inexpressivo, principalmente se não acontecer a respectiva ação corporal: um olhar, um sorriso, um abaixar a cabeça. Se assim não for, então é melhor expressar a gratidão por meio de um simples gesto. Em tempos atuais, talvez um like, mostrando a mão fechada com o dedo polegar para cima tenha um efeito mais eficaz.
A gratidão é diferente da retribuição, pois esta expressa uma reverência a um favor recebido, geralmente na forma material e com um lapso de tempo entre os dois acontecimentos. Já a gratidão é algo muito mais amplo, imediato e espontâneo. Deve ser sincero, emanado do fundo do coração e desprovido de qualquer expectativa de reconhecimento.
Esopo foi um narrador que viveu na antiga Grécia por volta de 500 anos a.C. Foi o precursor das estórias, conhecidas como fábulas, nas quais ele usava animais como seus personagens para retratar o comportamento do ser humano. Na web você encontrará centenas de fontes sobre elas.
Uma fábula que retrata bem a diferença entre gratidão e retribuição que descrevi acima é o episódio entre o leão e a gazela. O leão havia acabado de devorar um animal e uma lasca de osso ficara encravada entre seus dentes. Isso o fazia sentir muita dor e o atrapalhava em suas caçadas. Ao se encontrar com uma gazela, que poderia ser sua próxima vítima, reclamou da dor que sentia e pediu ajuda a ela para retirar o osso encravado. Para isso, ela teria que enfiar a cabeça dentro da boca do leão. A gazela, desconfiada, perguntou se ele teria gratidão necessária por aquele favor, a o que ele anuiu positivamente. Acreditando, a gazela enfiou a cabeça dentro da boca do leão, livrando-o do incômodo. Mas, antes que a gazela pudesse retirar a cabeça de sua boca, o leão cravou seus dentes no pescoço dela. Esta, indignada, reclamou:
– Ora senhor leão, você prometeu que não me devoraria. Teria que ser muito grato a mim por livrá-lo daquele osso inconveniente.
– Não, dona gazela, não lhe devo nada mais que um simples favor, pois foi o que você fez para mim. Por isso, não deveria esperar nada mais que isso em retribuição. Tal é verdade, que lhe sou grato e farei o favor de devorar você bem rapidinho para que não sinta dor, mas não me peça para lutar contra meus instintos, afinal quem nasceu para jarro jamais será um bom tijolo.
No folclore japonês existem igualmente inúmeros exemplos de gratidão e retribuição, como é a estória sobre a gratidão do tsuru (pássaro confundido com garça ou cegonha; na realidade, trata-se do grou – Grus japonensis – que os japoneses reverenciam como sagrada, que simboliza paz e vida longa; também simboliza o amor conjugal e a fidelidade, pois são aves monogâmicas).
A narrativa conta a história de um jovem camponês que morava em um vilarejo nas montanhas. Certo dia, quando voltava para casa encontrou um tsuru preso em uma armadilha. Penalizado, soltou o animal, que voou para longe. Depois de um tempo, ouviu alguém bater à porta. Era uma bela moça, dizendo estar perdida.
Graciosamente, a moça pediu-lhe abrigo por uma noite em sua choupana. Os dois acabaram se apaixonando um pelo outro e se casaram. Por necessitarem de dinheiro, certa vez a moça disse ao marido que passaria três dias fiando no quarto, e pediu-lhe que não a olhasse de maneira alguma. Durante os três dias, o rapaz ouvia apenas o barulho da roca de fiar.
Finalmente, ela saiu do aposento, e entregou-lhe um belíssimo manto, que deveria ser vendido. O marido conseguiu um bom dinheiro, e retornou a casa. Passado algum tempo, a esposa disse novamente que ficaria três dias trancada no quarto tecendo. Decorrido tal tempo, ela de lá saiu, com um manto ainda mais belo, que rendeu um valor em dinheiro muito alto.
A partir de então, a esposa continuou a fazer esse trabalho algumas outras vezes. Com o dinheiro das vendas, conseguiam viver com mais conforto. No entanto, a mulher debilitava-se a cada dia e disse ao marido que teria que ficar um tempo sem fiar. Apesar de ama-la muito, mas motivado pela ganância, o camponês pediu à esposa para que tecesse mais uma vez.
A princípio ela não aceitou, mas perante a insistência do marido, cedeu e começou a tecer novamente. No entanto, o marido começou a ficar preocupado, pois ela não saiu do quarto após três dias como de costume. No sétimo dia, não conseguindo mais conter sua curiosidade, o marido resolveu espiar o interior do aposento por uma fresta que havia na porta.
E para sua grande surpresa percebeu que em vez da esposa, era um tsuru quem fiava o manto, arrancando as próprias penas de seu peito! A esposa percebeu que o marido a observava e vendo que a promessa havia sido quebrada, disse:
–Eu sou o tsuru que você salvou. Queria muito recompensá-lo por sua gentileza em me salvar, por isso tornei-me sua esposa. Mas agora que conhece minha verdadeira forma, não posso ficar aqui por mais tempo.
Então, com as mãos trêmulas entregou-lhe o tecido acabado, e com a voz embargada disse:
– Deixo-vos isto para que se lembre de mim.
Assim dizendo, ela se transformou em um tsuru e voou, deixando o camponês com lágrimas nos olhos vê-la desaparecer no horizonte.
-.-.-.-
Destas duas estórias, Alice, aprendemos que, ao se esperar uma retribuição pelas palavras ou gestos de gratidão, não existe sinceridade, espontaneidade e sentimento puro de agradecimento ou reconhecimento por um favor recebido. Quando se espera uma retribuição ao débito de gratidão, ela pode vir de uma forma inesperada e nem sempre agradável.
Seja sempre uma menina inteligente e com espírito genuíno de gratidão.
Um forte abraço
Do teu avô.
O Universo
1 de maio de 2023
Querida Alice, que gosta e almeja ser uma cientista.
Parece que o universo é eterno: não teve princípio, nem vai ter fim.
Será isso uma verdade?
Na minha concepção, tudo, absolutamente tudo, que existe e compõe o universo é um conjunto ou combinação aleatória de uma única substância que está em permanente vibração apresentando-se sob a forma de diferentes frequências. Teoricamente, o universo deve ter surgido da explosão enorme, conhecida como The Big Bang, da composição muito densa e de alta energia da substância mencionada acima. Isso teria acontecido num espaço completamente vazio e infinitamente grande. Desta explosão, a substância matriz espalhou-se na forma de diferentes vibrações, formando o atual universo visível como o enxergamos quando olhamos para o céu noturno, composto por estrelas, planetas e demais formações cósmicas. A explosão teria sido tão grande que as partes que compunham aquela substância matriz da explosão ainda continuam em expansão.
Figura 1: Representação das principais radiações (frequências ou vibração) do universo.
Todas estas radiações permeiam o universo e muitas delas chegam até ao nosso planeta. Algumas poucas e que ocupam um pequeníssimo espaço do espectro eletromagnético são percebidas pelo ser humano: o calor das ondas infravermelhas, o som do espectro sonoro e a matéria. Além disso, o homem foi capaz de capturar algumas destas radiações, convertendo-as em comprimentos de onda sensíveis e utilizáveis para o seu proveito: o forno micro-ondas, os raios-X usado na medicina e as ondas de rádio, que são diminuídas até as ouvirmos. Outros animais percebem radiações diferentes das do humano. Plantas são capazes de capturar radiações fora do espectro luminoso para a produção de clorofila, por exemplo.
Na representação das vibrações universais da Figura 1, o seu início e seu fim estão representados pelo sinal do infinito (∞). Dá para perceber que, em se decompondo ou convertendo a vibração de qualquer tipo de radiação no sentido horário, ou seja, diminuindo a vibração, podemos chegar até a matéria, que é última composição conhecida de um ou inúmeros fenômenos visíveis ou que podemos sentir. Por exemplo, um pedaço de carvão mineral é carbono puro e vibra em 15,1 MHz. O diamante é também carbono puro. Contudo, são minerais diferentes, cada qual com suas características físicas. Qualquer outra forma de matéria composta é uma combinação de inúmeras moléculas, cada qual vibrando em sua e única frequência. Diferentemente, o corpo humano, por exemplo, é um complicado organismo multifrequencial.
Continuando com o exemplo do carvão mineral, podemos quebrar a estrutura molecular e chegarmos a obter átomos. É possível até chegarmos a seus prótons, elétrons, nêutrons, etc. Se conseguirmos diminuir ainda mais, se obtém uma substância não visível ou perceptível, sem cor, sem cheiro, num estado misto entre a existência e a não existência, que mantém, no entanto, a sua entidade física. Talvez seja esta a substância matricial que deu origem ao universo.
Tudo o que foi mencionado até aqui se refere ao universo meramente físico. Conjectura-se, no entanto, a existência da parte vital ou espiritual, mesmo na substância matricial mencionada. Quando este for o caso, os tratados budistas interpretam a substância matricial como um estado, com características vitais, denominando-a ku-u. Sob determinadas condições ambientais propícias, em qualquer lugar do universo, ocorre a combinação dessas substâncias, que se manifesta nos cinco componentes da vida: forma, percepção, concepção, volição e consciência. Somente o humano está provido deste último componente. Na sabedoria ocidental, este conceito da substância matricial com características vitais aproxima-se do que se conhece na psicanálise como ID. Embora este conceito seja caótico, é consistente e não conflitante, individualizando os animais, principalmente os humanos. Confunde-se também com o que conhece como espírito ou alma.
Em alguns filmes, por exemplo, em Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban, de 2004, há uma cena em que um personagem morre e de sua boca inicia a flutuar uma bolinha luminosa, que retorna à boca quando ocorre o retorno à vida. É uma interessante representação do que seria a substância matricial vital que foi mencionada.
Por hoje, fica nisso. Já é muita coisa para você raciocinar, assimilar e discernir.
Numa próxima oportunidade, voltarei a dissertar sobre assuntos correlatos.
Um forte abraço,
do teu avô.